20 de abr. de 2012

Palavra do Espectador : ‘Dama da Noite’ encoraja contra a miopia

Ao passar pelo nem tão ‘alegre’ Centro Histórico de Santos, evito me aproximar dos bares com prostitutas e semáforos com pedintes. Emudeço, finjo-me de invisível, porque míope já sou. Afinal, tenho medo de humanos, e você também deve ter. E isso não é novidade. Ter o submundo retratado em livros não é novidade. Ter livros retratados em peças não é novidade. Ter uma sessão de uma peça em cartaz há um ano também não pode ser novidade. Baseado em texto de 1988, a novidade de ‘Dama da Noite’ é justamente o seu monólogo.
As diferentes percepções do diretor André Leahun e os improvisos cênicos de Luiz Fernando Almeida são os grandes destaques do espetáculo em Santos. Durante o ano em temporada, observei a peça umas quatro vezes. Luiz Fernando usava peruca chanel, noutra vez fazia menos performances, e depois já se arrastava no chão. A obra evoluiu, ou melhor, transformou-se a cada semana.
O que permaneceu e sobrou foi o talento do ator ao atualizar sempre que possível o texto com referências ao mundo virtual. O palco minimalista é bem explorado nas diversas atuações do protagonista: eles sabem que as roupas femininas, extravagantes, e os trejeitos causam estranheza no público, e fazem questão de abordar boa parte dos espectadores no fictício bar da dama da noite.
Está certo, quanto o o texto é bom, o espetáculo já promete ser de qualidade. E o paradoxo emocional carregado pelo protagonista é o grande mote da peça. A sensação de solidão, ao mesmo tempo em que tentar entrar ou recusar o convívio com outras pessoas nas variadas ‘rodas’, torna a trama também comum ao espectador, mas principalmente a quem vive em condições de vulnerabilidade e prostituição.
As nuances do personagem sugerem que a plateia vá do nojo ao compadecimento. Contudo, a troca de olhares entre ator e público não é (nem deve ser) uma cumplicidade mútua. É sempre uma situação de confronto, de desconforto das pessoas, principalmente, por conta do tema do submundo.
Toda a peça é confeccionada de modo simples, e o entrosamento da equipe técnica é essencial para a sua boa realização. A estética parte para o lado subjetivo, permitindo um exagero de cores e sons, embora seja bastante realista. O cenário reluzente ajuda a nos envolver com os sentimentos da personagem.
A trilha sonora também é interessante e corresponde com a cena, mas, é a única capaz de distoar, extrapolar um pouco mais. Talvez por questão de acústica dos lugares, ou porque sabem que impressiona muito o impacto sonoro. Acima ou não do tom, as músicas escolhidas são as responsáveis pelo momento do público de se identificar mais com a dama da noite – também graças à performance detalhada do ator em cena.
Resultado: o protagonista, o próprio marginalizado, encanta os espectadores com suas constantes – e boas – alterações. No fim da peça, a sensação é de que todo esse choque foi um lapso momento para acusar meus próprios preconceitos. Já que qualquer humano é humano.

esse texto foi publicado no blog O Palco Santista

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